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“O Futuro da Nação”:
Um Estudo Antropológico Sobre a Masculinidade
Eduardo Botelho Ribeiro
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Monografia de Bacharelado
Universidade do Estado do  Rio de Janeiro 
IFCH, Departamento de Ciências Sociais
Banca Examinadora:
Profª.: Maria L. Heilborn (Orientadora)
Profª.: Cláudia Resende
Profª.: Rosane Prado
Fevereiro de 1997

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Resumo:  
Esta monografia trata do modo de constituição da masculinidade num ambiente de interação de trabalho majoritariamente masculino. Procura-se apresentar estratégias e formas de atualização de padrões de masculinidade, informados pela categoria de gênero. Para isso, temos em conta seus relacionamentos com as diversas situações, o espaço e as categorias funcionais em um projeto de grande escala envolvendo empresas públicas (DETRAN/Nuseg/Uerj) e estudantes de várias universidades do Rio de Janeiro. 
 
Conteúdo 
Agradecimentos  
Introdução  
Um Passeio pelo Detran 
 Masculinidade no Posto  
Homens e Mulheres(Gênero, sexualidade, corpo)  
 Os “Indivíduos” e a “Sexualidade”  
 Gênero e “De quê são Feitos os Homens ?”  
 Gênero e “De quê são Feitos os Corpos ?”  
O Posto Como Palco (O Espaço Determinado/ Cada Coisa em seu Lugar)  
“A Equipe”  
Mudança na Estrutura Organizacional 
 Vistoriadores  
 Detranetes (Controladoras de Tráfego)  
 Aferidores de CRV  
 Pesquisadores  
 Técnicos de Controle  
Os Atores  
 Carlos/ Juliano/ Cláudio  
Para Onde Convergem as Coisas Até Aqui?  
 A Masculinidade e o Meio Público do Contexto Brasileiro 
 A Masculinidade Hegemônica no Âmbito do Posto  
Mapa do Posto DETRAN/Barra  
Notas
Bilbliografia 
 

 
 Agradecimentos
 

 Peço aos amigos que fiz nestes tempos “de campo” desculpas pelo mal jeito, mas este é meu trabalho. Obrigado.
 Meu pais, por tudo que me foi concebido.
 Quero expressar as dívidas impagáveis para aqueles que me ajudaram. Foram muitas para com os professores Rosane Prado, Clarice Peixoto, Mirian Sepúlveda, Cléia Schiavo, Nanci Aguiar, Valter Sinder, Luis Rodolfo e Alba Zaluar, que, antes de mais nada, me construíram antropologicamente.
 Outras tantas gratidões dirijo a meu amigo constante de discussões, Gabriel. Um cara que vem me suportando desde o começo.
 A minha comparsa, Bianca, por todos os longos momentos de acirrado debate, incentivo e atenção dedicados a mim.
 Em especial agradeço a minha orientadora e grande “guru” intelectual, Maluh, que como ninguém é capaz de despertar e edificar coisas antropológicas em seus alunos. Foi ela uma das grandes responsáveis por estar hoje começando a trilhar esta opção profissional.
 
Introdução

 Por volta de meados de 1996 ingressei num estágio oferecido pela Uerj em convênio com o DETRAN-Rio. O trabalho consistia em operar computadores num grande projeto governamental de fiscalização e legalização de veículos automotores. Durante seis meses compartilhei intensos momentos com meus colegas, numa experiência que tornei pretexto de uma discussão antropológica.
 Somente ao conhecer o ambiente de trabalho descobri que na verdade estaria em companhia de uma grande equipe e que esta era composta de várias e bem diferenciadas pessoas e atribuições. O “Posto” - que vai ser uma figura constante desta narrativa - foi  a primeira coisa a surpreender-me. Uma infra-estrutura bem arquitetada e grandiosa. Não trabalharíamos, como acreditava, num escritório de um edifício qualquer, em salas isoladas pelo ambiente frio dos computadores. Fora pré-concebido um espaço especifico para aquilo que iríamos lá fazer, o “Posto”. Espaço este que movia necessariamente à interação e cooperação entre os estagiários. Até aqui sequer pensava ter esta situação como objeto de uma pesquisa, apenas julgava que o trabalho seria mais agradável assim.
 No primeiro mês de estágio nada considerável havia me comovido intelectualmente na relação com meus colegas.  Gradativamente pude perceber disparidades com relação ao tipo de trabalho correspondente a cada função. ‘Aferidores de crv’, ‘Pesquisadores’, ‘Detranetes’, ‘Vistoriadores’ e ‘Técnicos de Controle’ - os atores principais que vão nos seguir até o final do texto - que a primeira vista aparentavam possuir muitas semelhanças - afinal, todos jovens e estudantes universitários - atuavam de maneira diferenciada e segundo algum padrão hierárquico que desconhecia. Como pude perceber com o passar do tempo, o arranjo de forças parecia duplamente determinado, tanto pela estrutura organizacional do projeto - a dimensão determinada funcional-estruturalmente - quanto, por valores mais propriamente culturais - esta dimensão complexamente determinada - compartilhados pelo conjunto como um todo. Foi neste momento, quando comecei a vislumbrar, ainda precariamente, este jogo de valores e prestígios vivido internamente, que me dei conta do valor da experiência que estava vivendo. De maneira que quando “parti” para campo percebi que já estava nele há pelo menos um mês.  Os primeiros contatos foram, então, marcados pelo estranhamento da situação e da nova maneira de viver os dias com meus colegas. A partir deste momento já não era mais “só estagiário”, era também pesquisador e objeto.
 A maneira pela qual vinha sendo treinado em antropologia condicionou o escopo desta monografia. Assim, diante da chance criada, a melhor maneira de explorá-la foi pelo lado dos questionamentos sugeridos pela perspectiva de gênero. Em “Um Passeio pelo DETRAN” introduzo mais propriamente o problema. Já no capítulo “Homens & Mulheres”, abordo as questões mais teóricas sobre gênero e vizinhanças que informam esta monografia. Algumas perguntas logo surgiram a me orientar para a pesquisa, mas em grande parte foram balizadas pelo trabalho recente do autor português Miguel Vale de Almeida. Em seu livro Senhores de Si faz uma brilhante incursão antropológica pelas masculinidades de uma pequena vila no Alentejo. É esta linha de análise que proponho levar em minha monografia no Posto do DETRAN. Um estudo sobre masculinidade num contexto de sociabilidade do trabalho. Deste autor extraí algumas fórmulas metodológicas, discursivas e também conclusões genéricas que tomo como pontos de partida em meu trabalho.
 É fundamental lembrar, também, que se a antropologia não estuda “aldeias”, não estudarei “postos do DETRAN”, e sim problemas visíveis ali, como também o poderiam ser em qualquer outro lugar. Não quis fazer um estudo do posto em si, a isto ele se aproximará apenas quando vejo a organização espaço-funcional do posto como produto de códigos simbólicos que regem a dimensão das categorias de gênero no capítulo “O Posto Como Palco”. Trata-se de uma observação participante que busca na interação entre jovens universitários em um ambiente de trabalho, elementos para uma interpretação antropológica do gênero por via da masculinidade. As redes de poder que se entrecruzam na prática diária dos estagiários são destacadas apenas em suas facetas que tratam do bem proceder masculino e não quanto às suas implicações no âmbito administrativo ou de políticas governamentais - o que legitimamente poderia ser lastro para outros trabalhos. Isto circunscreve a monografia no campo das micro políticas da sexualidade, das discussões de gênero que mais recentemente tomam a masculinidade como problema. Em “Para Onde Convergem as Coisas até Aqui?” está o desfecho deste trabalho. Neste capítulo vão se deslindando as masculinidades, antes tomadas mais detidamente na descrição d’Os Atores”, procurando uma síntese que as situa tendo em conta o esquema mais amplo do contexto brasileiro.
 Antes de mais nada esta monografia aspira ser um exercício antropológico. Em momentos mais tenros da constituição da disciplina antropológica era comum falar-se de uma “antropologia política”, “da religião” etc., e parece que há pessoas que insistem ainda em falar de “antropologia do gênero”, “da mulher”, ou agora “do homem”. A antropologia não deve ser vista como um aglomerado de guetos temáticos que se fecham em especialidades metodológicas ou teóricas. Falo em algum momento de uma etnografia compromissada, mas esta não tem, por isso, o “rabo preso” a questões de alguma panelinha ou grupo fechado. O compromisso é posto pela proximidade destes amigos que aqui cito e para com aqueles que venham a ler este trabalho e se interessar pelas questões levantadas. Por tanto, quero deixar claro, ser este trabalho uma proposta de leitura antropológica que encontra nestes temas da sexualidade e gênero ingredientes para engrossar a massa de estudos que tem como verdadeiro objeto as lógicas das organizações humanas, suas dinâmicas de ação, seus meios de expressão e relacionamento com o mundo. É preciso esclarecer isto para que não ocorram leituras demasiado equivocadas, a perceber neste tipo de trabalho que toma gênero como objeto, algo menor ou “contaminado” por viéses político militantes de grupos minoritários ou até majoritários. Antes de mais nada temos que acreditar na inviabilidade de se fazer hoje uma antropologia idealizada, romântica, que se quer livre de quaisquer juízos de valor ou imune às trajetórias de vida dos próprios pesquisadores. Há que se minar este tipo de preconceito que só contribui em caricaturizar e inibir esforços legítimos de sistematização e sofisticação teórica não só em antropologia, como nas demais ciências sociais.
 
Um Passeio pelo DETRAN
 

 É bastante conhecida, em especial pelos moradores do Rio que são proprietários de automóveis, a imagem negativa associada ao funcionamento do DETRAN pelas extorsões de dinheiro e falcatruas na regularização dos veículos. E é de domínio público a concepção de que se será explorado e ludibriado por uma verdadeira máfia de despachantes, vistoriadores, atendentes e técnicos corruptos ao ter que se sujeitar aos serviços deste órgão público. Como diz o próprio Governador do Rio de Janeiro, Marcelo Alencar, em editorial de um folheto distribuído nos postos:

 A simples menção da necessidade de se dirigir ao DETRAN já aciona o descontentamento do carioca. Imagina-se horas em filas, o contato com o despreparo dos funcionários e a imprecisão por parte de todos sobre o que é preciso para se efetuar até o mais simples dos processos para o atendimento. Desde os infinitos formulários requeridos até os igualmente desestimulantes prazos de tramitação de documentos. Ou seja, tudo que lhe gira em torno é problemático. Um quadro que move muitos a adotarem estratégias de defesa nada apropriadas.
 Os “despachantes” são uma solução muito procurada, e dispendiosa. Em média, estes intermediários cobram mais de um salário mínimo para manterem as pessoas a salvo do desgaste do atendimento. Teoricamente os serviços deste órgão são gratuitos, o que não acontece na prática daqueles que optam por estes profissionais do “jeitinho”, verdadeiros mediadores [2] do contato entre as estruturas burocráticas e as personais, estas que predominam nas relações sociais brasileiras criando a visão de um “atraso” da vida pública. De fato a palavra correta seria “resistência”, dos sistemas sociais brasileiros em absorver uma racionalidade plenamente despersonalizada, burocrática e igualitária [3]. Sustentando esta racionalidade “resistente”, pagam um preço exorbitante para conseguir o que deveria ser gratuito. Outra solução, também nada econômica ou legal, é a conhecida “propina”. Quase tudo neste órgão pode ser resolvido com uma atraente gorjeta, o que só agrava a situação criando uma cascata de corrompimentos que deságua na regularização indevida de carros roubados e até a dos mais incapacitados de circularem nas vias públicas. Um expediente que incentiva o roubo de carros e a diminuição da segurança no tráfego.

Masculinidade no Posto

 Frente ao quadro de total inoperância do DETRAN, o que lhe rende títulos de pior departamento do governo estadual , eis que surge uma proposta de reordenação. A idéia é de se tercerizar os serviços através da atuação dos ‘incorruptíveis’ estudantes universitários, desviando todos os processos do contato com os funcionários já viciados nos esquemas de corrupção. A missão do corpo de estagiários constituído (que é massivamente composto de homens), é por tanto, a moralização dos serviços de atendimento deste órgão que coordena e normatiza a utilização de veículos motorizados no Rio de Janeiro. Segundo propaganda feita por folhetos, “(...) com as facilidades (...), o próprio motorista ou proprietário do veículo passou a ir ao Detran para retirar sua documentação, dispensando intermediários e acabando com a manipulação de documentos”  .
 Julgo que este clima de moralização vestiu como uma luva na maioria destes estudantes. Muitas vezes em reuniões de arregimentação e de trabalho membros da organização do projeto diziam que éramos “... o futuro da nação”, representantes de uma nata. Exaltou-se a moral e a integridade destes que constituem a “elite da sociedade brasileira”, os universitários. Se somos ou não tudo que disseram não é possível afirmar, apesar de tudo, foram até o momento vários os casos de estudantes que se deixaram levar pelas ofertas de usuários mal intencionados. Entretanto, para efeito de auto-representação este discurso parece produzir bons resultados.
 Faço esta descrição no intuito de situar o ambiente criado onde a honradez, precisão e os sentimentos de companheirismo e igualitarismo entre estes estagiários, foram muito exigidos dado o grau de eficácia esperado pela organização do projeto. Constantes são os testes e provações pelos quais temos que passar na busca desta meta numa sociedade largamente orientada pelo clientelismo e apologias à troca de favores. A moral é uma idéia chave, e a eficácia imprescindível, dado o jogo político envolvendo entidades e prestígios a nível municipal, estadual e federal. São vários os agravantes e soma-se o momento de eleições onde se acirra a necessidade de ‘mostrar serviço’ e a qualidade da administração pública corrente. Enfim, esta contenda de interesses e poder poderia até mesmo justificar estudos específicos, e por isto não vou além de uma descrição de sobrevôo.
 O que nos interessa mais aqui são exatamente estas qualidades exigidas dos estudantes (com destaque para os ‘vistoriadores’) que, diga-se de passagem, julgo também terem-nas em grande conta em suas próprias vidas. Temos aqui uma boa entrada para uma problematização antropológica, dada pela articulação entre eficiência, honra, masculinidade e trabalho. Vejo assim criado um “laboratório” de valores, que a propósito de minha pesquisa, expressam paradigmaticamente faces de suas masculinidades. Ou melhor, tal “condição de laboratório” se faz melhor observável quando se tem em mente que a masculinidade, os valores que expressam o que deve ser um verdadeiro homem, é algo que está em jogo, ou que estabelece regras. É importante deixar claro que tais valores não estão aflorados apenas por uma exigência operacional da função a qual exercem, fazem parte da maneira como estes jovens se auto-representam, da forma como querem ser vistos e avaliados cada um perante o outro. E mais fundamentalmente pelo olhar do pesquisador, que selecionou esta faceta da vida das pessoas para assunto de descrição antropológica. Talvez possa até ficar a impressão, no decurso desta monografia, que todos lá no posto estão compulsivamente concentrados em exaltar suas masculinidades, o que obviamente seria falso. Toda esta “energia” direcionada para a afirmação da masculinidade é parte integrante da estratégia narrativa do meu trabalho e, é claro, não deve ser entendida como uma realidade concretamente vivida e consciente. As pessoas por lá são muito mais que suas identidades de gênero.
 Quero que seja claro também que estas regras, num sentido mais amplo, não dizem respeito exclusivamente aos homens. O que perfaz um ambiente de sociabilidade, majoritariamente homossocial, onde se misturam pessoas de variadas posições culturais e econômicas , é constituído de um corpo de homens e mulheres que devem conviver por aproximadamente seis meses, durante no mínimo seis horas diárias. E é fundamentalmente esse quadro relacional misto que acentua as diferenças e possibilita a  visão crítica através do conceito de gênero. Conforme apresentarei adiante, homens e mulheres têm seu devido lugar. Admite-se que cada qual (homens e mulheres) tem suas potencialidades específicas e assim, devem atuar de maneira respectiva numa estrutura funcional arquitetada de maneira precisa. No capítulo seguinte vamos adentrar em alguns pormenores que orientam as idéias por aqui, para depois darmos continuidade por uma descrição mais detalhada do posto.

Homens & Mulheres (Sexualidade, gênero e corpo)

 Achei conveniente colocar, a esta altura, um capítulo para esclarecer pontos mais teóricos sobre as problemáticas aqui envolvidas. Na introdução mencionei que os estudos sobre a masculinidade são recentes, vamos reservá-los por um pouco. Vamos começar por um reconhecimento das áreas circunvizinhas ao nosso tema, para que possamos prosseguir numa argumentação específica de alguns marcos que orientam esta dissertação.

Os ‘Indivíduos’ e a ‘Sexualidade’
 
 Alternativamente tomemos a “sexualidade”, sob uma ótica mais ampla, que muito pelo contrário, é objeto de vários esforços de sistematização teórica. Em geral, estes visualizam o surgimento e desenvolvimento deste campo na relação com a “modernidade”. Esta ponte de argumentação é característica dentre estudos mais propriamente sociológicos e coloca os problemas sob um prisma bem próprio que é o que adoto neste trabalho. Isto significa compreender as múltiplas possibilidades de representar e viver o sexo encompassadas segundo alguma lógica que não é determinada exclusivamente por traços psíquicos ou biológicos. Tornando-se para nós um pressuposto básico que condutas sexuais são socialmente desenvolvidas e orientadas (Bozon,1995; Giddens,1993). Enquanto terreno social a vida sexual e afetiva é dada em contextos históricos específicos e está sujeita aos mesmos instrumentos de análise propostos pelas teorias sociais; postura que é debitável a uma linhagem construtivista na antropologia. Esta em muito se baliza, dentre outras, na contribuição dos estudos de Foucault (1993) que propõe que o sexo socialmente construído deve ser lido através de razões culturais/sociais. A sexualidade não deve ser tomada per si, mas associada a eventos históricos, que no caso específico, estão orientados por uma esfera maior que é o advento da modernidade.
 Em A História da Sexualidade I, Michel Foucault toma como objeto o processo que desencadeia na constituição do que chama ‘dispositivo da sexualidade’, que em linhas bem gerais, se origina a partir de um movimento de singularização que elege a sexualidade como eixo estruturador da pessoa na modernidade, tendo nas camadas privilegiadas seu foco mais expressivo. A sexualidade, desta forma, se autonomiza e desenvolve enquanto produto - e produtora - de transformações no nível sócio-cultural, com destaque ao terreno do individualismo, em suas várias frentes - psicológica, jurídica, econômica, política etc. A sexualidade, sob a égide do indivíduo - ou o próprio âmbito privilegiado dele - torna-se um complexo capaz de sintetizar atributos fundamentais da identidade pessoal. Algo que se constrói em uma trajetória individual, e que por isso codifica nossas principais referências sociais. A sexualidade torna-se um foco de produção de significado e verdade para os indivíduos na modernidade.
 
Gênero e “De Quê São Feitos os Homens ?”

 Embalada pela crítica feminista nos anos 70 a noção de gênero emerge no cenário acadêmico, fundada na constatação das diferenças, visíveis pela perspectiva comparativa, ao nível das determinações culturais de sexo. A antropologia se apropria imediatamente deste instrumental vendo nele promessas de renovação de sua vocação para a desnaturalização da vida social. Surge como pilar da “antropologia da mulher”, capaz de sintetizar atributos culturais que orientam as condutas dos sexos em situações sociais. Gênero está, portanto, relacionado às disposições morais socialmente atribuídas em contextos culturais específicos, não redutíveis à base biológica fornecida pelo sexo.
 Tomando a temática da masculinidade - que é nosso objetivo - vemos que ela se apresenta como um campo incipiente (Vale de Almeida,1996), mas, mesmo assim, já vivencia pontos efervescentes e de passagem obrigatória. O mais candente talvez seja o que diz respeito ao seu relacionamento com a já mencionada “antropologia da mulher”. Estes estudos que têm como marca a crítica aos essencialismos em torno do sexo se consolidam num momento onde transformações dadas no contexto sócio-cultural do ocidente  viabilizam drásticas posturas políticas encabeçadas pelas mulheres. A estas coube uma verdadeira luta, encarnada no movimento organizado do feminismo, pela consolidação de direitos jurídicos, sexuais e emocionais igualitários frente a assimetria nas relações com os homens. Anthony Guiddens percebe este momento como marcado pelo que chama de uma Transformação da Intimidade. Segundo ele esta consiste na passagem do ‘amor romântico’, que em muito tolhia as ânsias femininas em detrimento dos homens, ao ideal do ‘relacionamento puro’, onde ocorre a ampliação das acepções de sexualidade. Seu significado é cada vez mais amplo e compreendido como um auto-retrato. A sexualidade, agora, não é mais - aqui fundamentalmente sob o ponto de vista feminino - vinculada exclusivamente a reprodução, é uma realidade deslocada da moral coletiva, tendo como foco emanador o “eu”, que foi capaz de operar mudanças que dizem respeito mais que a ambos os sexos, à própria dinâmica de vida social, às estruturas de gênero (Giddens,1993).
 A categoria de gênero emerge no cenário acadêmico-científico como sustentáculo destas mudanças, e bastante comprometida com o movimento político do feminismo. Conforme assinalam as críticas, este compromisso por muito tempo custou o ofuscamento dos homens enquanto atores legítimos de toda esta temática nos estudos antropológicos. Os women’s studies em seu viés militante relegam as masculinidades a um patamar intocável e homogeneizado pelo status de dominante. Como ressalta Vale de Almeida (1995:129), a abordagem feminista, “... ao tornar o masculino em equivalente implícito do social retirou-se autonomia e possibilidade de desconstrução crítica”. David Gilmore também sustenta esta crítica e de maneira mais dura: “much of the recent cross-cultural research is not only about women, but by women, and in some sense, for women” (Gilmore,1990:2). Parece que o erro desta postura inicial, arredia em relação à masculinidade, deve-se em grande parte ao contexto e trajetórias de vida daquelas antropólogas, e aos instrumentos teóricos utilizados. Maria L. Heilborn, vê o ideário individualista, pertinente ao contexto cultural ocidental moderno, como determinante deste tipo de abordagem, onde a apreciação da problemática feminina através das idéias de “opressão” e “dominação”, seria função da dinâmica das esferas da vida social - família, sexualidade, reprodução - cada vez mais autonomizadas. Esta autonomia em relação às instituições redundando no centramento da pessoa na categoria de indivíduo, no “eu”, enfatizando as críticas das relações do mundo privado (Heilborn,1993). Em acréscimo podemos pensar também, na manipulação de uma idéia estreita da noção de poder - ou dominação - que aplicada a gênero ocultava a dimensão essencialmente relacional desta categoria. Gênero e poder concebidos numa lógica fechada sobre dicotomias excludentes de expressão maquiavélica como: dominantes x dominados, opressores x oprimidos, homens x mulheres. Algo que é banido com as proposições deslanchadas por Michel Foucault que toma as relações de poder sob um prisma multifacetado na forma de redes difusas de forças que agem sobre as ações sociais (Foucault,1979). E posteriormente por Pierre Bourdieu (1990), com sua teoria da prática, que também lança luzes neste mesmo sentido ao tratar d’A Dominação Masculina ilustrada por seus dados etnográficos da Argélia. Segundo Bourdieu, as relações de dominação são inevitáveis na vida social, fazem parte do processo instaurador que é classificação, que por si já é hierárquica . Com suas palavras:

 Retomando a relação ‘antropologia da mulher’/ masculinidade, David Gilmore em sua proposta radicaliza as acusações à literatura feminista sugerindo quase que sua total desconsideração para o projeto de uma incursão pela masculinidade. Seus ressentimentos se concentram na especificidade desta literatura voltada para as mulheres ignorar o fato da masculinidade também ser algo problemático. Desta forma, a masculinidade para Gilmore apresenta-se desafiante, dados os processos de sua consolidação nas diversas sociedades por ele arroladas. Na comparação de informações de um grande universo de etnografias, ele procura ressaltar regularidades como a dramaticidade com a qual se constróem os “verdadeiros homens” no intuito de encontrar estruturas profundas da masculinidade, arquétipos da condição masculina. Acentuando sua perspectiva crítica em relação aos estudos de mulheres focaliza fundamentalmente as dificuldades impostas aos homens em sua socialização por oposição a construção da feminilidade que: Cabe lembrar que na conclusão de seu trabalho assume ser uma tarefa difícil delimitar esta ossatura do “ser homem” transculturalmente falando.
 Nesta problemática opto por uma perspectiva mais conjugada onde seria impossível supor o apagamento das contribuições até agora formuladas por esta ‘antropologia da mulher’. Compreendo esta polarização como uma disputa eminentemente política, mas ao invés de promover “homens x mulheres”, prefiro “homens & mulheres”. Acatar a proposta de Gilmore seria incorrer nos mesmos erros, agora sob a marca dos “men’s studies”. Por outro lado, seu trabalho não deixa de chamar atenção por frisar o caráter da conquista que é ascender à masculinidade em diversas culturas. Ele nos ajuda a salientar que a masculinidade não é algo dado simplesmente pela diferenciação anatômica, e sim adquirida em específicos e complexos processos de socialização. Sob este aspecto não seria incorreto afirmar que a masculinidade é algo frágil (Vale de Almeida,1995). Chegando a pontos semelhantes, por vias distintas, Heilborn (1993) inquirindo-se sobre a preeminência do masculino, também conclui desta fragilidade. Segundo ela, o masculino no plano simbólico precisa superar o feminino que representa sua condição originalmente submissa quando da relação genética entre mãe e filho. Em suas palavras: Seu caráter dominante exige constantes reafirmações, uma grande disciplina e autocontrole para a manutenção de um status que lhe impõe duras provas. Retornando a este ponto, vemos como ele é fundamental para se sustentar que são várias as masculinidades. Ora, se identificar-se como homem - ou mulher - fosse simplesmente função, ou mesmo uma elaboração complexa, de atributos fisiológicos, significaria ignorar que todo processo social toma caminhos específicos e arbitrariamente definidos segundo suas próprias lógicas de formação e reprodução. Seria reduzir um campo fértil de alteridades a uma massa uniforme e naturalizada, postura esta que vem sendo combatida desde o início pela antropologia, que nega generalizações de largo espectro quanto a sociedade global apoiada na idéia do relativismo cultural. Esta que vem defendendo a pluralidade de identidades tanto femininas como masculinas. Ao tomarmos a masculinidade e a feminilidade de maneira desnaturalizada e assim, como metáforas de poder e capacidade de ação acessíveis a ambos (Vale de Almeida, 1996), podemos vislumbrar múltiplas possibilidades.
 O estudo que realizamos, teve por tanto, que levar em consideração, pela análise das categorias de gênero, as formas de expressão que autorizam “ser homem”, e o que cria a variabilidade destas modalidades expressivas. Gênero de maneira um tanto particular, apresenta a propriedade de permear todas as outras categorizações de identidade. Gênero representa uma categoria de apreensão do mundo real e, assim como tempo e espaço, funciona como um princípio classificatório capaz de conferir inteligibilidade ao sensível e, por tanto, trespassar outros níveis de identidade da pessoa. O que representa um desafio ao se propor uma incursão nas masculinidades. Se ao buscarmos determinar o modo de dinâmica da masculinidade estivermos atentos a variáveis como classe, instrução, etnia, idade, religião etc., encontraremos múltiplas identidades masculinas. Várias maneiras de ser homem, de jogar com os atributos de gênero que dizem o que é e o que não é um. “Talvez por isso seja difícil estudar a masculinidade com um paradigma exclusivo. Em última instância todas as perspectivas contribuem num ou noutro aspecto” (Vale de Almeida,1995:130). Este dado nos faz refletir que a categoria de gênero, justamente devido a sua larga área de penetração, não opera isolada. No nível da prática ela se entrecruza com as demais categorizações de identidade sendo condicionadora e condicionada por elas. Fator que reforça a idéia de múltiplas masculinidades assumindo complexos e variados vetores na interação prática, nos embates constantes de que participam. As trajetórias de vida podem funcionar como elaborações produtoras de contextos de gênero, ou atualizações de gênero.
 A proposta para um trabalho que subentenda tais precondições deve formalizar uma análise que - conjugando estrutura e prática, ou se preferirem, estrutura e história, ou global e local, micro e macro etc - capacite constantes contatos, entre a lógica cognitiva que orienta a ação - no caso gênero - e as práticas contingentes que estão a selecionar, excluir e reformular aquelas categorias simbólicas. Compreender como se dá, num contexto específico - aqui a sociabilidade no trabalho entre jovens universitários -, esta coabitação dos esquemas inconscientes de pensamento, sob um princípio de divisão que classifica o real segundo oposições entre masculino e feminino, e as práticas, as situações sociais que, em sua infinita variabilidade e riqueza, criam desafios, afirmações e contextos de reprodução das estruturas cognitivas. Salientando este aspecto, Marshal Sahllins acredita que há “(...) uma interação dual entre a ordem cultural enquanto construída na sociedade e enquanto vivenciada pelas pessoas: a estrutura na convenção e na ação, enquanto virtualidade e enquanto realidade. Os homens em seus projetos práticos e em seus arranjos sociais, submetem as categorias culturais a riscos empíricos” (Sahlins,1994:8).
 Tudo isto salienta uma outra distinção importante - quanto a estratégia de análise - e que deve ser lembrada. Uma coisa seria enfocar a masculinidade enquanto lógica cognitiva e classificadora, tratar da maneira arbitrária como se estabelecem as relações de gênero - entre homens e mulheres - através da detecção de regras morais que orientam a ação (Salem,1985), com vista às categorias simbólicas que regem a construção deste domínio. Domínio este de uma masculinidade sem homens. O que proponho é atentar às masculinidades concretas - como são vividas no contexto do posto do DETRAN. A este nível de análise, das categorias simbólicas, deve somar-se as práticas que as dão uma maior dinâmica. Este mapa simbólico que recorta o real, fornecido pela lógica de gênero, não deve ser compreendido como um fim em si, como uma chave mágica para a solução de todos os problemas da análise social-cultural (Heilborn,1994). Devemos ter cuidado de não incorrer no erro de um determinismo das estruturas.
 Olharmos para aquilo que é ser homem, por tanto, é olhar para as múltiplas determinações sócio-culturais que são vividas por homens reais. É focalizar as maneiras como se organizam hierarquicamente, atentar às múltiplas identidades, às expressões e sentimentos vividos na interação cotidiana. Cabe ao antropólogo que se debruça sobre masculinidades buscar aqueles critérios segundo os quais homens concretos são diferenciados. Critérios estes que obviamente não emanam exclusivamente de estruturas inconscientes ahistóricas e imutáveis, e sim de uma realidade mais dinâmica e interacional, onde são constantemente tomados e retomados, acatados e reavaliados, usados e abandonados. Busca-se a interrelação entre estrutura e prática “(...) ao nível da negociação quotidiana, das interações carregadas de poder, das reformulações das narrativas de vida” (Vale de Almeida, 1996:164). As determinações do quê é um homem são, portanto, várias e estão sempre sendo negociadas, exigindo reafirmações constantes. São fluxos ao sabor de mudanças de idade, classe social, contextos relacionais, prestígio local.

Gênero e “De Quê São Feitos os Corpos ?”

 Até aqui afastamos a construção da masculinidade de toda relação com uma base biológica, com os atributos físicos. Entretanto, o corpo deve ser considerado nestas formulações. Tomemos o corpo como uma base física sobre a qual se investe uma outra social. Receber esta idéia implica entender o corpo, não como um fim, um dado, mas como um meio variável de expressão de caracteres socialmente determinados. Meio este que é produzido de diversas maneiras. Conforme sugere Mauss, devemos ter em mente a idéia de técnicas corporais. Estas são “(...) as maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos” (Mauss,1974:211). Os corpos são produtos de práticas que os constróem tanto simbolicamente, como viemos demonstrando por meio da idéia de masculinidade, esta que se projeta nos corpos, quanto materialmente.
 Conforme as pistas deixadas por David Gilmore, Miguel V. de Almeida e como pude perceber na interação diária no posto, ser homem requer habilidades específicas. O fato de se ser socialmente reconhecido como homem é sustentado basicamente por meio de tênues habilidades discursivas. A masculinidade é uma expressão do discurso e também do discurso enquanto prática (Foucault,1979 apud Vale de Almeida,1995). E neste idioma da masculinidade, os corpos são elementos expressivos destas discursividades que se traduzem na grande disciplina dos gestos, modos de falar, vestir, atitudes frente às situações de interação e emoções. Assim, o mundo social trata os corpos como um “pense-bête”:

 Os corpos são alvos de objetificação destas estruturas marcadas por pares de oposições que “(...) enferme les hommes et les femmes dans un cercle de miroirs qui réfléchissent indéfiniment des images antagonistes, mais propres à se valider mutuellement” (Bourdieu,1990:10). O peculiar destas distinções classificatórias proporcionadas pelas categorias de gênero é a maneira como se espraiam por toda a paisagem social. Sendo categorias de apreensão do real se difundem e permeiam todas as instâncias, perfazendo o terreno socializado que se torna, portanto, um terreno naturalizado. É a concorrência destas estruturas cognitivas às estruturas objetivas que possibilitam a naturalização das relações hierárquicas instituintes do plano social. O conceito de habitus, que retoma a problemática da mediação no debate entre objetivismo e fenomenologia, parece ser adequado para compreendermos os corpos socializados. Ele é definido como um: Disto decorre que as práticas orientadas pelas estruturas - fornecidas por gênero - vêm a reforçar e justificar estas próprias estruturas que às informam. Desta forma é correto afirmar que:
 “(...) é em termos destas distinções que os homens e mulheres constróem o que está claramente entre seus mais significativos e mais profundos entendimentos de si próprios, tanto como indivíduos como membros de uma ordem social particular” (Parker,1991:104).
As próprias marcas corporais que definem homens e mulheres, que buscam seu sentido na lógica binária de classificação, são as mesmas que alimentam a reprodução desta ordenação simbólica entre masculino e feminino. Assim, a experiência corpórea vivida é naturalizada, o que significa dizer que homens e mulheres, exercendo seus respectivos “papéis”, o fazem “naturalmente”, segundo lógicas que dizem respeito a ordens sócio-culturais. É através destes corpos socializados (sexualizados) que o passado se reproduz, eles funcionam como bases existenciais da cultura (Vale de Almeida,1995). Instrumentos a lembrar-nos das desigualdades entre homens e mulheres, transpondo estas diferenças para um plano ontológico, tornando-se uma essência. Sendo assim, a dominação masculina se faz nestes termos. Não necessita de uma intenção para, frente a “obvia” inferioridade feminina, se afirmar. A assimetria fundamental está expressa nestas ‘técnicas corporais’, no espaço, no tempo, nos gestos e emoções.
 Vemos assim delinear-se uma outra perspectiva para gênero. Segundo esta concepção de corpo, de construção de uma substância, de montagem da essência, gênero surge com duas dimensões que lhe são constitutivas. Como já foi tratado, temos gênero como um idioma, um princípio de classificação ordenador do real, idéia abstrata e sem uma forma consciente, sem homens ou mulheres, e também, gênero como um atributo da pessoa, fechando o ciclo, conectando a dimensão simbólica à sua contrapartida material, à corporalidade, ao terreno confuso e sujeito a riscos da vida “mais real”, como queria M. Sahlins (1994). Gênero, e portanto, a dominação masculina, ancoram-se na dimensão simbólica, e na condição material desta lógica, na imagem da pessoa.

O Posto Como Palco
(O espaço determinado/ Cada coisa em seu lugar)

 Conforme manda a tradição que orienta todo etnógrafo em campo, minha primeira providência foi fazer o plano da “aldeia”. Este expediente é bastante útil, e o capítulo a ele guardado cumpre bem mais que uma necessidade estética em dissertações deste tipo. A organização estrutural pode apresentar muito mais informações do que parece a primeira vista.
 Desenvolvido pelo Nuseg (Núcleo Superior de Estudos Governamentais) a pedido do DETRAN-Rio, o projeto “Troca de Placa” consistia numa estratégia complexa para a regularização da frota de veículos automotores do município do Rio de Janeiro. Mobilizando cerca de 3.000 pessoas, ficou representado na figura dos postos de atendimento instalados pela cidade - são 10 ao todo. Os postos de atendimento foram concebidos de maneira a oferecerem um máximo de eficiência no atendimento, arquitetados para que fosse viável o atendimento de no mínimo seis veículos simultaneamente em cada cabine de atendimento. De acordo com notícias veiculadas por um periódico informativo da Uerj , a atuação do Nuseg foi de suma importância para o sucesso do projeto “Troca de Placa”, sendo responsável pelo desenvolvimento de softwares para a emissão dos documentos necessários a atualização cadastral dos veículos  e também um censo sobre os usuários . Concentrarei-me no “Posto-Barra”- um dos maiores - onde pude trabalhar por seis meses.
 A localização mais ampla - o estacionamento do terminal rodoviário Alvorada - parece justificar-se pela centralidade geográfica. Oferece fácil acesso a uma grande zona - oeste - do município com vias largas que convergem para ele. É o seu interior que nos é relevante . Em sua entrada estão posicionadas as ‘Detranetes’. Passando as portas, se divide em dez largas ruas que estão perpendiculares a via principal de acesso. Nas primeiras quatro ruas, e também nas quatro últimas, à metade de suas extensões, estão postas as oito “células”. São estruturas tubulares de ferro fazendo telhados que cobrem pequenas construções em madeira que são propriamente as “cabines de atendimento” formando uma linha paralela à via principal de acesso. As duas ruas centrais foram reservadas a grandes containers adaptados para servirem de escritórios que são as cabines da chefia, almoxarifado, lanchonete, sanitários e uma delegacia de trânsito. Não seria conveniente construir um prédio específico para esta finalidade, até mesmo devido ao caráter temporário de sua utilização, daí o uso de materiais reaproveitáveis e de baixo custo. É interessante, pois, mesmo com tal tipo de material empregado, o conjunto é de aspecto grandioso, principalmente por estar ali de passagem e também porque alterou substancialmente a paisagem daquela localidade da Barra da Tijuca .
 Entre cada construção há pelo menos de dez a quinze metros de distância, portanto, o posto tem aproximadamente duzentos metros de extensão. Esta distância entre as cabines dificulta a comunicação entre suas respectivas equipes, pois não é recomendável a circulação pelo posto. Haja visto que foram necessários alguns meses para que conhecesse uns poucos estagiários que trabalhavam na outra extremidade do posto. Conhecer a todos era praticamente impossível, pois são aproximadamente 120 em cada turno e, quase sempre, estávamos absortos demais nas micro relações que eram travadas nas “células”.
 Dentro deste espaço físico (do posto), que comporta outro organizacional que será descrito adiante, eram travadas as relações diárias entre os estudantes e, como vinha notando, sua organização como um todo cada vez mais era apropriada e redimensionada de acordo com lógicas próprias às relações ali vividas. Uma organização complexa e totalmente padronizada foi se descaracterizando na medida da intensificação dos contatos. O posto que era objeto de cálculo, padronizado, até pode-se dizer matemático, sofre reinterpretações que guardam muito pouco dos sentidos originais de simples funcionalidade e eficiência. Dentre todas as áreas do posto as “células” são as que concentram o maior fluxo de relações, sendo então, micro totalidades no que tange ao foco dado em minha leitura. Lá se desdobravam as narrativas de masculinidade, sendo o palco privilegiado para a dramatização dos homens. A figura da “equipe” vai se destacar neste espaço, animando a idéia de coletividade e impondo uma dinâmica que entendo como elucidativa de boa parte das relações entre os homens.

A Equipe
(Organização e dinâmica de prestígios)

 O espaço ocupado pelas equipes é a “célula”. Esta consiste na soma de duas “linhas de atendimento” e uma “cabine” . Em teoria uma equipe ainda poderia ser dividida em duas partes correspondentes às linhas, mas não há uma separação nas relações que de fato justifique isto, com apenas uma exceção que veremos logo a frente. O conjunto da equipe é formado por 6 “vistoriadores”, 4 “aferidores de crv”,  2 “pesquisadores” e 1 “técnico de controle”. Institucionalmente não há qualquer tipo de hierarquização entre estes componentes, exceto quanto ao técnico de controle, a quem cabe a coordenação mais imediata do trabalho do conjunto. As equipes tendem a se constituir como grupos orgânicos que ao olhos da administração do posto representam grandes unidades funcional-estruturais.
 É grande a interdependência entre os membros da equipe em suas funções diferenciadas. Nestas, entretanto, as relações de cooperação se destacam mais a miúdo entre os membros da mesma função (aferidores/ aferidores; vistoriadores/ vistoriadores; etc.). Assim, em grande parte do tempo, as relações no trabalho são marcadas pela ajuda mútua e um relacionamento intra-função mais intensificado. Havendo qualquer tipo de problema - como falhas na operação de documentos ou informações - era comum surgir uma organização independente para se achar uma solução, criando um ambiente de relativa cumplicidade dentre estes pares. O tipo de cooperação inter-funções se apresenta, por outro lado, mais caracterizado pela dependência. Tal tipo de vínculo, marcado por uma solidariedade menos intensa, abre precedentes para uma dinâmica austera. Esta dependência cria um ambiente de vigilância, pois se espera que cada qual execute sua tarefa de maneira adequada a manter o bom funcionamento da equipe.
 É preciso salientar o fato de que toda e qualquer atividade é constantemente vigiada. Já mencionei o quanto se advertiu da importância da qualidade no trabalho e que todo momento cada representante da organização, seja ele chefe, subchefe, técnico ou auxiliar, lembra da importância de não haver falha de espécie alguma - principalmente as “morais”. É uma constante a vigilância. O posto como um todo pode ser tomado como uma grande equipe onde a vigilância deve ser total. Percebi que ocorriam englobamentos - posto/equipe, equipe/posto e equipe/equipe - que tinham uma lógica semelhante a variação estrutural encontrada por Evans Pritchard (1993). Dentre os Nuer no Sudão, o sistema de grupos se descola do sistema genérico do parentesco, constituindo uma instância à parte (política por excelência). Para Pritchard, compreender a dinâmica deste sistema de grupos - que tem a peculiaridade de apresentar movimentos de inclusão e exclusão de seus membros - exige a consideração de uma ‘relatividade estrutural’ que é aquela que se exprime proporcionalmente ao potencial de representatividade das situações vividas pelo grupo local. Ou seja, quanto mais forte é o sentimento que une os membros de um grupamento - aqui a “equipe” - em determinado evento são também mais freqüentes os contatos e a identificação entre eles. Determinados contextos situacionais autorizavam a encampação de todas as equipes do posto numa só, em reação de resposta a posturas julgadas incorretas tomadas por outros postos. Ao mesmo tempo, e esta era mais freqüente, ocorria a reunião de todo um lado do posto  contra o outro, numa disputa que ganhava mais e mais peso com o passar do tempo. Chegava-se a denominar o lado oposto de “inimigos”. Esta reordenação espacial era constante e ia desde a menor parcela - a “linha” - até o contexto maior de todos os postos do projeto. Muitas vezes, essas situações - destaque para os que envolviam as menores parcelas da organização - representavam pequenos embates visando acumulação de prestígios. Micro guerrilhas travadas por uma atenção maior da chefia, por amizades capazes de fornecer benefícios, por expectativas de uma contratação nos quadros do DETRAN, para mostrar o quanto se trabalha duro e leva-se as coisas a sério, para conseguir trabalhar menos. Infinitas disputas que geravam aproximações e afastamentos, movimentos de contração e relaxamento, fazendo da organização funcional do posto algo maleável, frouxo.
 Todas as funções de mando são “cargos de confiança”. O sobressalto constante associado ao erro pode ser entendido por esta via. Este tipo de atribuição de poder gerava infalivelmente relações de troca de favores. Nesta lógica de ascensão pelo prestígio, a fluidez estrutural era realçada.
 Parece que muito mais está em jogo que meros papéis administrativos assumidos em confiança, ou mesmo os salários. Acredito que grande parte deste “controle total” deva-se ao idioma de negociação das masculinidades que habitam o posto. Idioma este colocado em prática através de verdadeiras guerras de nervos, constantes auto-afirmações, demonstrações de poder e superioridade - até mesmo superioridade física. No início, como é esperado pelas regras do bem proceder administrativo, tudo é absolutamente honesto, existem regras, a informação circula e o clima é pacífico. Na medida em que “algo mais” foi entrando em jogo, aumentaram as estratégias de malandragem, as reclamações e, assim, as desconfianças entre todos. Estabeleceu-se um clima de partida de jogo, onde vale tudo pela vitória. No primeiro instante foi se mapeando amigos e inimigos, os bons e os ruins, assim como os indiferentes. Feito isso, tudo posto em seu devido lugar, começa a competição, uma guerra de nervos onde é grande a tensão. Tanto que esta vigilância gradativamente se multiplicou e assumiu múltiplos vetores. Era capaz de encontrar-se uma verdadeira inversão das estruturas hierárquicas funcionais, quando, atenuada pela ironia, a advertência partia de um vistoriador para o próprio chefe do posto.
 Alguns acontecimentos como este autorizaram-me a tomar a equipe como um ator autônomo em certas circunstâncias. A equipe da qual fazia parte sofreu várias transformações durante o período, entretanto, apesar das figuras distintas, a dinâmica não era alterada. Em pouquíssimo tempo conseguia-se estabelecer a mesma afinidade de antes entre todos os membros. Esta afinidade aproxima-se aquilo que Goffman chamou de “familiaridade”. Tal familiaridade não é uma interrelação “(...) que se desenvolve vagarosamente com o passar do tempo em comum, mas, é antes um relacionamento formal, automaticamente ampliado e recebido, tão logo o indivíduo tome lugar na equipe” (Goffman,1992:81). Entretanto, Goffman também qualifica esta familiaridade como uma “espécie de intimidade sem calor”, sustentada para a “manutenção de uma aparência particular das coisas”, algo que não se aplica de maneira indiscriminada aqui.
 Conforme venho defendendo, os valores do companheirismo e honra representam um fator de coesão fundamental. Talvez estes sejam os fatores de aquecimento desta intimidade supostamente fria. Não gostaria de tirar conclusões demasiado amplas, mas parece possível entender este ‘aquecimento’ das relações pela existência de uma lógica própria às relações no trabalho, como são vividas no contexto brasileiro de pessoalidade, descrito por DaMatta (1992). Ou seja, muito além de serem relações, que travadas num contexto de trabalho, de emprego da força produtiva na busca do sustento ou aquisição de meios para alcançar determinados bens, orientadas por uma razão pragmática, são complexas interrelações de forças e valores sociais. Estes que movem consigo uma grande carga emocional que não pode ser interpretada como simples manutenção de uma “impressão particular diante dos outros”, como quer Erving Goffman (1992).
 Como mencionei, a cumplicidade, era um item constante nas relações. Apesar do caráter austero nas relações inter-funções, de forma alguma havia o impedimento de em muitas circunstâncias o companheirismo falar mais alto. Alguns episódios foram marcantes neste aspecto. Apesar do erro ser evitado a todo custo ele sempre ocorre, e foram vários os casos de falhas graves onde todos se uniram por um, tendo como produto um sentimento de lealdade e honra para com o grupo. Posturas estas que renderam auto-avaliações sem nenhuma modéstia. O sentimento de superioridade às outras equipes foi inevitavelmente nutrido: “Somos o ‘Esquadrão Classe A’! Equipe de primeira.”, “Ninguém aqui trabalha como a gente!”, “Eles sabem que nós somos os melhores.”; “Os garotos de ouro...”. Paralelamente a estas avaliações qualitativas surgem as quantitativas: “Nós somos os que mais emplacam aqui.”; “Ninguém trabalha tanto quanto a gente!”. Todas, porém, apontam numa mesma direção: o desempenho no trabalho e as relações que se estabelecem neste ambiente como estruturadoras de uma identidade contrastiva às demais. Esta que, no jogo das relações entre homens, funciona como meio para maximizar um status masculino regido por valores como: força, habilidade, vocação para o trabalho. Valores fundados na superação de seus opostos feminilizantes como: fraqueza, inabilidade e falta de vocação para o trabalho.
 Como pude observar, gradativamente nossa equipe foi se “masculinizando”. E não é apenas uma força de expressão. No início tinhamos duas ‘aferidoras de crv’ e uma ‘pesquisadora’. O caso mais dramático foi o da aferidora Mariane, que foi praticamente expulsa da equipe. A ela nunca foi conferida uma posição de igual perante o resto da equipe. Era uma pessoa competente, porém, não lhe concebiam tarefas de responsabilidade, sempre sonegando-lhe atividades de caráter importante. Nos assuntos ‘extra-trabalho’ atuava livremente, porém nos momentos de trabalho, sempre se encontrava uma maneira de substituí-la por algum homem mais ‘eficiente e responsável’. Mariane era uma pessoa inteligente, mas somando-se ao fato de ser mulher era tida como feia e muito contestadora. Isto complementava o quadro de interdição da sua presença no conjunto. Num episódio que narro mais a frente foi remanejada para uma nova equipe que ficava na outra extremidade do posto, sendo assim extraída do ambiente de trabalho onde o bom funcionamento só é concebido segundo um padrão regido por caracteres masculinos.

Mudança na Estrutura Organizacional

 Ao destacarmos uma equipe podemos tomá-la em conjunto, como venho fazendo, ou destrinçá-la em indivíduos, em suas unidades constitutivas menores. Nas primeiras semanas, realmente, o que ocorria era esta intimidade fria que não dava muita margem a emersão das individualidades. A descrição acima da equipe era bastante adequada, mas pouco a pouco, algumas coisas mudaram. Realmente, esta organização anterior não foi totalmente suprimida, mas já não representava uma ordem dominante. O ocorrido foi uma transformação hierárquica velada, formalmente tínhamos a mesma estrutura organizacional, mas na prática uma outra história.
 Falei que foram várias as mudanças na equipe original, mas, alguns elementos notáveis se mantiveram intactos. Pretendo mostrar como personagens dotados de competências diferenciadas para exercer seus papéis, que julgo orientados por um padrão cultural de masculinidade visualizável pela maneira como são postas em prática as categorias de gênero, foram capazes de criar ordens secundárias na hierarquia funcional do posto. Ou seja, penso poder sublinhar as diferenças, focalizando trajetórias particulares de vida capazes de fomentar habilidades diferenciadas para o trato das categorias fornecidas por gênero. Estas habilidades estabelecem jogos de combinações contextualmente possíveis, responsáveis pela grande variedade de masculinidades e a micropolítica masculina dos constantes embates entre os personagens, pela busca de poder e posições de dominação.
 A equipe desenvolvia uma solidariedade crescente. Foram vários os sentimentos que contribuíram para a consolidação dos laços que uniam o grupo, desde a vontade de apresentar um bom desempenho tanto para a chefia como frente aos demais colegas, até o companheirismo, indignação, solidariedade e medo. Vou descrever adiante um pouco dos “verdadeiros homens” que edificaram minha visão da masculinidade no posto. Antes, porém, é preciso mapear as categorias funcionais, estas são parte importante da dramatização no posto. Vamos partir para as individualidades passando primeiro pelo ponto em que elas se conectam ao grupo fundamental representado pela equipe, as funções.
 A simbologia classificatória proposta pela lógica de gênero (o idioma de gênero), toma para si, como paradigmas de sua própria racionalidade, na prática vividos como auto-explicativos (porque essências), as categorizações funcionais. Cada função opera como um pequeno texto (um espaço discursivo/expressivo), capítulos de uma história maior sobre gênero, sobre o que são homens e mulheres. Neste tom, as masculinidades se engendram na conexão das trajetórias de vida com o contexto situacional, este que no âmbito de sociabilidade laboral fornece as categorias funcionais como parte constitutiva .

Vistoriadores

 Em cada “célula” se concentram 6 vistoriadores, 3 em cada uma das linhas. Dentre todos os cargos oferecidos no momento do recrutamento, este era o que dispunha de mais vagas. No posto Barra, assim como nos outros, pouco menos de 50% do efetivo é constituído de vistoriadores, o que por si só já representa uma pista da importância desta função no projeto.
 A tarefa desta categoria, exclusivamente composta de homens, é basicamente a de analisar cada veículo em busca de indícios de má conservação, irregularidades ou adulterações. Logo que um carro se aproxima da área de atendimento este é o primeiro a abordá-lo. Com polidez, eles se dirigem aos usuários pedindo-lhes a documentação para que iniciem o processo de vistoria. É verificada a parte elétrica, a situação exterior do veículo e também o motor e acessórios. Para que cada carro possa continuar o percurso para a ‘troca de placa’, é preciso que passe pelo crivo de seus olhares atentos a todas as minúcias. Tal rigor no procedimento costuma render muito descontentamento por parte dos usuários reprovados nesta primeira etapa. Qualquer vestígio que possa ser identificado como insatisfatório pelo vistoriador vai ser sumariamente registrado e formalizado através de uma documentação específica (relatório de vistoria), criando assim a chamada ‘exigência’ que é um prejuízo ao usuário.
 Uma breve observação da atuação destes rapazes é capaz de concluir da autonomia de decisão desta função. Eles são totalmente responsáveis pela sorte daquele que leva seu veículo ao DETRAN, constituindo o ‘grupo chave’ de todo o projeto. A eles é conferida a competência de julgar se o carro vai ou não ser emplacado e ter sua documentação regularizada . Caso negativo, significa que o usuário deverá, certamente, desembolsar alguma quantia para normalizar as falhas encontradas, e retornar todo o processo de vistoria, enfrentando novas filas etc. O vistoriador é o principal elemento de todo o projeto, pois a ele cabe a atividade fim mais fundamental do DETRAN, que é fiscalizar a condição dos veículos que são licenciados.
 O papel de vistoriador, por ser um trabalho em grande parte braçal, encarna  também uma certa leitura do trato do corpo, é investido de uma técnica corporal positivamente valorada em torno do excesso. O corpo do vistoriador deve ser ferido e exposto à dor. Este maltrato é contrabalançado e superado pela força; músculos e habilidade manual são as armas daqueles que com ferramentas fazem um trabalho árduo e desgastante. Após a vistoria, são eles mesmos que emplacam o veículo caso esteja de acordo com as normas . A todo momento lembra-se o quanto se sofre, o quanto se paga por todos - “alguém tem que pagar esta conta” - com o próprio esforço físico. Mãos calejadas e feridas, pois “nós somos os únicos que trabalham nesta porra, só a gente é que rala”.

Detranetes (As Controladoras de Tráfego)

 Curiosamente inversa a dos vistoriadores, esta categoria abriga a menos reconhecida de todas as funções do posto. Foi a única que mereceu um apelido ou um nome extra-oficial, assim as chamadas detranetes, são verdadeiramente as controladoras de tráfego. Sempre em minoria numérica, as detranetes iniciaram o trabalho com um efetivo que aos poucos foi sendo reduzido, de doze passaram a ser nove no momento em que redigia este texto. As Detranetes são invariavelmente mulheres, que no momento da seleção para o estágio, além de prestarem uma prova de português, pois deveriam falar corretamente em sua função, foram objeto de uma espécie de ‘concurso de beleza’. Além de boas falantes de português, deveriam ter ‘boa aparência’.
 A tarefa desta categoria se resume ao ato mecânico - frente a discricionariedade dos vistoriadores - de conferir, na porta do posto, se o carro que entra esta agendado para o atendimento naquele dia e hora e se esta sendo trazida a documentação exigida para cada modalidade de atendimento. Elas recebem uma lista com estas informações e conforme a fila vai andando abordam carro por carro verificando estes dados.
 Como já mencionei anteriormente, não há nenhuma hierarquia entre as categorias principais que atendem o público (vistoriadores, aferidores, detranetes e pesquisadores), porém as detranetes são alvo da crítica de quase todos. Tomadas como incompetentes, para uma tarefa que todos consideram banal, são freqüentemente criticadas e advertidas por aqueles que são precedidos, na mesma medida que elas, de toda a gradação hierárquica funcional do posto.
 É de conhecimento geral que foram selecionadas ou em função da beleza, ou por algum tipo de apadrinhamento com a organização. Certa vez, o chefe do posto me disse que as detranetes deveriam ser mesmo mulheres, pois assim, acalmam os ânimos dos usuários indignados na fila de espera. Entende-se que somente mulheres são capazes de tratar de maneira delicada e cuidadosa aqueles que ficam irritados pela demora, são portadoras de dotes específicos capazes de atenuar o desconforto. Outro ponto que torna ‘insubstituível’ a atuação de mulheres neste cargo, diz respeito a auto-imagem que o DETRAN espera reformular com a atuação dos estagiários, onde as detranetes são peça - esteticamente - importante desta estratégia de mudança. No jornal “O Globo” uma reportagem sobre o posto de atendimento da Barra era encabeçada pela manchete: “Reemplacamento ganha simpatia com ‘detranetes’” . A legenda da foto dizia o nome de cada detranete e concluía com “(...) charme ao Detran no Terminal Alvorada”.
 Podemos concluir, pela soma destas pistas, que os atributos estéticos e emocionais exigidos para a função ‘detranetes’ são incongruentes com a visão socialmente veiculada do que vem a ser um homem. Tais expectativas, somadas a vida cotidiana no posto, resultam que, mesmo diante da ampla coabitação dos sexos nas mais diversas categorias profissionais, da constante redução de fronteiras na divisão sexual do trabalho, é bastante difícil conceber um homem trabalhando como “controlador de tráfego”, talvez como o seria imaginar um “dono-de-casa”, ou “lavadeiro”. Assim, o lugar mais apropriado para as mulheres, a alocação funcional que mais exprime e fornece meios de expressão ao feminino, é aquele ocupado pelas detranetes. O que encorajá-nos acreditar que possamos estabelecer uma espécie de gradiente entre o idioma da masculinidade e feminilidade no posto, nos extremos teríamos, de um lado os vistoriadores e de outro as detranetes, cada qual como expressão máxima de suas potencialidades de gêneros contrastivos.

Aferidores de CRV

 O segundo maior contingente dos estagiários recai na categoria aferidores. Em cada célula são 4 os aferidores, 2 em cada linha. É nesta categoria que estou incluído, e a considero como a posição mais liminar dentre outras inserções em múltiplos sentidos.
 De acordo com o argumento de que a hierarquia das funções sustenta um código de gênero, os aferidores ocupariam um lugar mediano nesta escala. No caso dos homens, apesar de não demonstrarem com tanta ênfase quanto os vistoriadores seu potencial para o trabalho, são conhecedores de uma linguagem complexa e positivamente valorada por todos, a informática. O mesmo se dá com as mulheres (vistoriadoras), pois não estão submetidas a uma atividade mecânica (como as detranetes), são portadoras do saber da informática que juntos as destaca do padrão máximo de feminilidade, e por outro lado, é claro, são portadoras da marca corporal de mulher que não as deixa masculinizarem-se por completo.  No entanto, aos olhos dos vistoriadores, ambos aferidores (homem e mulher) não passam de “Aspones” - categoria usada para identificar aquele que não trabalha, não faz nada  - pois não expõem seu corpo as mesmas provas de força, ficando sentados na cabine manipulando um teclado. Apesar dos aferidores não acatarem plenamente a idéia de que não trabalham, pois também costumam expressar seu descontentamento quanto ao trabalho, o apelo do vistoriador é sempre mais forte. Há uma espécie de consenso do quão difícil é o trabalho do vistoriador, mas isto não suplanta outras vias de afirmação por meio da crítica ao trabalho em outras funções. O aferidor também sofre a sua maneira, muita responsabilidade, muitas possibilidades de erros de grande escala.
 Quando da seleção prestaram uma prova de conhecimentos em informática, pois deveriam operar micro-computadores. Ao aferidor cabe receber a documentação antiga do usuário e substituí-la por uma nova. Ele deve conferir todos os dados da documentação criticando-os um a um, e fazer possíveis alterações antes de iniciar a impressão do documento novo . O aferidor além disso maneja equipamentos caros - computadores, impressoras, câmeras de vídeo - e é encarregado da guarda de documentos em branco, assim como chancelas e lacres que são muito cobiçados por contraventores. É grande a responsabilidade de manipular os documentos pois eles representam as propriedades de patrimônios particulares, que em muitos casos são bastante vultuosos. Este é um ponto crítico do processo, pois no trabalho dos aferidores é grande o risco de erros e a oportunidade de cometer falcatruas . É provavelmente a segunda atividade mais vigiada pela chefia do posto.
 Nos primeiros momentos esta posição liminar/fronteiriça me facilitou uma tomada de percepção de muitos pontos. Não estava nem muito aqui, nem muito lá. O aferidor (homem) não trabalha como um “verdadeiro homem”, nem está numa posição totalmente feminina ou passiva. Pude perceber isto quando passei a trabalhar por dois meses e meio consecutivos como vistoriador. Esta experiência me pareceu um convite a uma outra forma de ver todas as relações no posto, uma intensificação na troca com os outros. O vistoriador fala mais, vê mais pessoas, está mais sujeito ao temperamento daqueles que vêm ao posto em busca do atendimento, como também sofre na pele as condições do trabalho, seja sob sol ou chuva. Ausentar-me do grupo dos aferidores, imiscuindo-me nas vistorias, foi o suficiente para me introduzir nas discussões mais propriamente políticas do posto. Eram freqüentes, antes do expediente, as rodinhas de café, fazendo cochicho, onde se tratava da inépcia do chefe do posto, das últimas notícias vindas da administração geral do projeto (Nuseg), das perspectivas de aumento, dos “problemas sérios” e também, por que não, da nova detranete que é “muito gostosa”.

Pesquisadores

 No início do projeto era por volta de 16 o número de pesquisadores no Posto Barra. Esta foi outra categoria que reduziu-se pouco a pouco, tendendo a se extinguir agora que já decorreram seis meses de trabalho. São apenas 3 que resistem enquanto concluo esta monografia, e mesmo assim já não exercem a tarefa de pesquisador, prestam serviços em diversas outras áreas, como reservas no caso de faltas.
 Durante todo o ‘Projeto Troca de Placa’ foram respondidos milhares de questionários quando do momento de espera para a vistoria. O pesquisador, munido de uma caneta e uma prancheta com os questionários, abordava o condutor dos veículos pedindo-lhe para cooperar com uma pesquisa para o DETRAN. Era um survey que continha perguntas sobre o uso que se faz do veículo. Procuravam saber quais os horários de maior utilização, aonde se estaciona com maior freqüência, se o veículo estivera envolvido em algum acidente no últimos anos, e até renda mensal etc. Todas estas respostas visavam fornecer elementos para um melhor planejamento do tráfego na cidade.
 Igual às detranetes, os pesquisadores (homens e mulheres) eram discriminados. Talvez maiores ainda fossem as críticas. O pesquisador tinha uma cota diária de entrevistas a fazer, e quase sempre a cumpria na metade do expediente. Assim, passava grande parte do dia de trabalho circulando pelo posto, ou conversando com colegas. Este procedimento era execrado, principalmente pelos vistoriadores, que como de costume, como foi mostrado com relação às detranetes, criavam poderes e logo inventavam alguma tarefa para os pesquisadores.
 A função de ‘pesquisador’ era preenchida pelos dois sexos, talvez com uma diferença pequena a favor das mulheres. Atualmente, os únicos três representantes da função são mulheres e, curiosamente, todos os homens se tornaram vistoriadores. Este é um ponto interessante pois foi bem grande a migração das duas categorias para a de vistoriador. Gradativamente o contingente de vistoriadores foi crescendo em detrimento dos outros cargos.

Técnicos de Controle e Auxiliares

 Inicialmente eram em número de 2 para cobrir todo o posto. Na contramão da tendência de redução de categorias esta foi a que comparativamente mais cresceu. Após aproximadamente um mês decorrido do início do projeto, foi criado o cargo de ‘auxiliar de técnico de controle’, o que fez subir o número de técnicos para 10. Função eminentemente representativa destinada a alocar em cargos superiores - posição de mando, pouco  trabalho e salários maiores - todos os apadrinhados que não conseguiram se beneficiar de início.
 A função deste cargo é observar. Eram também responsáveis por, ao final do expediente, recolher o material não utilizado sobre o qual os demais estagiários deveriam prestar contas e assumir os prejuízos de possíveis perdas. Cabe ao técnico encaminhar as falhas à apreciação da chefia. Esta tarefa de espião e delator criava uma situação onde dificilmente as relações entre os técnicos e os outros estagiários era sincera e descontraída.
 Compenetrados em exercer seu papel superior, seu poder de controle perante aqueles que em princípio gozam de um mesmo status (todos universitários), permaneciam algo distantes. Nesta conduta de aparência inabalável há um ponto cego, um “calcanhar de Aquiles”, que é seu comprometimento com os superiores da administração geral do projeto numa relação de compadrio, dependência, nepotismo, que mina um pouco sua moral perante os demais. A boca pequena, correm mil e uma versões sobre as suas contratações e a indignação por não terem feito provas como todos. A exigência mínima era serem estudantes de direito, ou mesmo pessoas formadas - fato que já contraria a condição inicial do projeto abrigar somente estudantes, o que evidentemente era mais um ponto de descontentamento.

Os Atores

Carlos
(vistoriador)

 Com 27 anos é o mais solidamente estabelecido. Estuda direito numa faculdade particular, seguindo os passos de seu pai que é Procurador do Estado. Mora sozinho num sítio na Prainha - uma espécie de point de surfistas que fica numa reserva ecológica - que lhe foi presenteado por seu pai. Antes do DETRAN trabalhava como editor de um jornal de surfe e esportes de ação. Durante alguns anos esteve viajando pelo mundo nos “circuitos do surfe” fazendo reportagens e contatos que conferiram a seu jornal reconhecidos prêmios de melhor da categoria. Vendeu o jornal e com parte do dinheiro comprou um Fiat Tipo, zero quilômetro, que é um de seus principais objetos de ostentação, assim como suas viagens. Certa vez um usuário, conversando, comentou que deveria ser ruim trabalhar a manhã inteira ao sol e depois ter que voltar de ônibus para casa. Carlos  em tom ríspido disse:

 - Deve ser... Mas eu não tenho a menor idéia de como deve ser. Tá vendo aquele Tipo quatro portas zerado ali?
Apontou para o carro.
 - É meu! Todo dia eu pego ele, ligo o ar condicionado, o som e vou pra casa. Eu não sei o que é andar de ônibus, não.

Após o homem sair Carlos se juntou a alguns colegas e narrou, triunfante, o ocorrido. Crendo que o usuário havia estabelecido um meio de formalizar um maior status que o seu, ele imediatamente adotou uma postura agressiva. Sua condição de servidor em relação ao interlocutor precisava ser compensada, e resgatar sua superioridade social tornou-se uma maneira adequada de rebater a tentativa de submetê-lo. Carlos exclama:

 - O desgraçado ainda estava num “fuca” fodido!
Quase todos riram numa mistura de aprovação e inveja. Juliano por outro lado olhou pra mim com ar de reprovação.

 Carlos morou durante um ano nos EUA, na Califórnia, onde trabalhou numa loja de sucos naturais de um amigo também brasileiro. No tempo em que lá viveu tomou como paradigma de perfeição os ideais de conduta pública americanos; o american way of life lhe inspira muitas críticas ao Brasil. Passa as férias em lugares como Bali, Austrália, Jamaica etc. Este ano pretende voltar a Austrália como “Surfista de Cristo”. Por intermédio de um amigo que faz do esporte uma profissão de fé conseguiria morada e trabalho em Sidney para lhe ajudar a difundir a palavra de Deus. Não se diz muito religioso, mas não quer perder a oportunidade.
 Carlos é uma pessoa um tanto rude, como já demonstrei, muitas vezes tomou atitudes que não achei “louváveis”. Não pronuncia corretamente o português e suas conversas são, em geral, curtas e restritas às mulheres, esporte, música e viagens. Costumava chegar no posto comentando o dia anterior em que ficara na praia, em frente a sua casa, “pegando onda” até o anoitecer. O surfe é algo importante na orientação de sua vida. Segue a risca uma filosofia de vida saudável, sem excessos, onde, segundo ele “esporte, natureza e mulheres” são sua principal motivação.
 Carlos é louro, tem olhos verdes e mede aproximadamente 1m80cm. Julga serem irresistíveis estes atributos , mas é na experiência e na ‘conversa’ que ele vê seu principal atrativo para com as mulheres. Segundo ele, é preciso ter tato, a aproximação deve ser lenta e gradual para que tudo dê certo na investida. Ensinava a Juliano que “não se pode ir com muita sede ao pote”. Carlos se diz “calculista” para encontrar o momento certo à formulação de um convite mais íntimo para uma mulher. Esta lição dizia respeito a uma tentativa desastrada de Juliano se aproximar de Patrícia - aferidora de crv. Carlos conclui dizendo que “todas elas querem, mas você não pode avançar o sinal”. Como ele salienta, está bem marcada a diferença entre “elas mulheres” e “nós homens”, e que a relação entre estes domínios distintos deve seguir uma trajetória específica, que julga dominar. Mostrando assim, que as estratégias de contato entre parceiros de outro sexo revelam mais nitidamente as distâncias entre os gêneros, e também, o que pode ser entendido como uma certa ‘economia da sedução’.

 Constantemente narrava casos com mulheres, mas não o fazia para todos. Em geral a platéia era Juliano, Marcos - técnico de controle - ou eu. Com grande conhecimento de causa afirmava que a mulher ideal é “(...) discreta, sensual, e uma mescla de inocente e safada”. Como Gastão (vistoriador), gostava de deixar claro que tinha uma namorada, que era sua ‘princesa’, e também tinha uma outra - eventualmente ‘outras’ - com quem mantinha relações menos formais. Numa manhã, antes de começarmos a trabalhar, Carlos me disse que estava exausto. No dia anterior havia almoçado com sua namorada e passado a noite inteira num motel com outra, uma ‘morena’. Após dizer o quanto foi bom acrescentou que estava um tanto arrependido por ter gasto mais de um quarto de seu salário naquele dia. Fiquei surpreso com o seu gasto, mas depois concluiu:

 - Ah, eu preciso me divertir! A gente trabalha, rala pra caramba. Eu tenho que me relaxar também. De vez em quando a gente tem que esquecer e aproveitar mesmo.

 Parece claro, a princípio, que o dinheiro ganho no trabalho não deve ser “desperdiçado” com aventuras. Este dinheiro, deve sustentar o homem - a família. Sendo fruto do suor, do seu trabalho, constitui um valor enobrecido gerando um território sujeito a paradoxos, por ser investido de múltiplas significações. A idéia de dinheiro oscila entre a qualidade de bem simbólico e sua função mais própriamente utilitária . Ou seja, Carlos nos mostra que, longe de ser exclusivamente um meio impessoal de troca, o dinheiro é dotado de propriedades que o tornam uma via de exercício da masculinidade. O interessante é que estes valores que tomam o dinheiro como substância, ao mesmo tempo que promovem seu uso com parcimônia, pois o verdadeiro homem utiliza seu dinheiro para o fim nobre do sustento seu e da família, incentivam o gasto com prazeres mundanos. Estes prazeres, que são símbolos de virilidade ostentados nos discursos, são proporcionados na prática comum da comensalidade e opulência nos gastos com os amigos e “outras” mulheres. Aqui sim, no espaço dos valores sociais, o dinheiro assume seu valor maximizado, e não em especulações de qualquer tipo, onde o dinheiro é um valor em si mesmo.

Juliano
(aferidor de crv)

 Com 24 anos está no início do curso de informática em uma faculdade particular. Já trabalhou em diversos lugares. Foi recepcionista de um apart-hotel na Barra, trabalhou como atendente num stand de informações turísticas no Pão de Açúcar e também numa grande rede de hipermercados (Carrefour).
 Seus pais vivem separados. Mora com a mãe e o irmão, que é mais novo 5 anos, em Jacarépagua, zona oeste do Rio de Janeiro. Sua mãe é dona-de-casa e contribui financeiramente no sustento doméstico apenas com a pensão de seu ex-marido. Cabe a Juliano completar o orçamento.
 Seu irmão não trabalha, só estuda. Juliano é muito desgostoso do comportamento de seu irmão que em nada ajuda em casa e também é relaxado nos estudos. Durante o período em que estivemos juntos Juliano estava fazendo uma obra em sua casa, e se queixava do desleixo do irmão que não cooperava.
 Juliano trabalha desde os 18 anos devido ao aumento das necessidades pela partida do pai que sustentava a família. Seu pai mora no mesmo bairro e tem uma vida bastante opulenta em comparação à realidade de Juliano. Reprova o comportamento de seu pai, que vê como um ‘mal caráter’. Habita às proximidades da casa de Juliano com outra mulher e não faz sequer uma pequena visita a ele e seu irmão.
 Dentre todos, Juliano era o que mais variava nas conversas. Tinha muitos interesses e se autoclassificava um amante da cultura e intelectualidade. Valorizava muito o conhecimento, a ilustração. Conversávamos sobre arte, política, cinema, música, geografia, história, informática etc. Junto a mim, costumava brincar dizendo que todos os outros eram “bárbaros incultos”. Por sua vez, todos o tinham como um “erudito”, a ele faziam perguntas difíceis, lhe alimentavam com argüições sobre curiosidades o que lhe satisfazia bastante. Falava razoavelmente inglês, francês e espanhol, que aprendera como autodidata durante viagens, em seus trabalhos de atendente e recepcionista e estudando sozinho. Orgulhava-se muito de seus predicados intelectuais e do reconhecimento disto pelos outros.
 Em vários momentos declarou que gostaria de cursar outras faculdades como desenho industrial, arqueologia e engenharia. Tinha como um importante parâmetro de vida um tio que era o “faz-tudo” da família. Este tem conhecimentos de engenharia, arquitetura e eletrônica. Juliano falava muito deste tio, com quem se relaciona freqüentemente, e de suas façanhas técnicas.
 Durante o período no DETRAN, muitas pessoas pretendiam juntar dinheiro para adquirir determinados bens. Na maioria dos casos um carro era o principal objeto de consumo. Juliano almejava coisas bem diferentes. Dizia-se uma pessoa “caseira” e fazia questão de conforto em sua residência. Seu raciocínio era de que somente em casos de exceção saía de casa, então, por que comprar um carro? Queria fazer uma reforma na cozinha, comprar uma geladeira nova, uma televisão para seu quarto e principalmente um computador. Fazia faculdade de informática e o computador lhe proporcionaria uma melhor formação, além da diversão com jogos, multimídia etc.
 Era comum encontrar Juliano, assim como os outros, falando de mulheres. Porém, em todo o período de estágio, Juliano só teve - ou pelo menos, me contou - um caso isolado de relação com mulheres. Foi numa saída com Carlos à casa das primas de outro colega do posto. Passaram o dia se divertindo na piscina, bebendo e comendo churrasco. Apesar deste dia não lhe render nada mais “profundo” - como ele disse - narrou tudo com muita euforia. Juliano se queixava muito da falta de mulheres, das dificuldades que tinha para conseguí-las. Estas queixas eram compartilhadas com Carlos que às vezes o aconselhava. Certa vez disse que se tivesse um carro luxuoso como o de Carlos, e as ‘habilidades discursivas’ de Gastão “pegaria todas”. Porém, ao mesmo tempo que via estes seus “pontos fracos” acreditava na incompatibilidade de sua inteligência com o tipo de conversas levadas por Gastão, e na incongruência de suas vontades mais urgentes e sua educação, com, respectivamente, os valores expressos no carro e na rispidez impositiva de Carlos.

Cláudio
(vistoriador)

 Cláudio é o mais velho de nossa equipe, tem 28 anos. Cursa a faculdade de geografia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em São Gonçalo. De todos é o menos provido economicamente, mora com a mãe numa favela em Alcântara, subúrbio de Niterói.
 Sua mãe é uma pessoa muito doente, impossibilitada de trabalhar, cabe a Cláudio a maior parte do sustento da casa, assim como a responsabilidade pela saúde de sua mãe. Durante todo o período do estágio esteve fazendo economias para comprar um carro. Quando já conseguira juntar uma quantia razoável, sua mãe teve que ser hospitalizada, o que arruinou seus planos. Eu era como que um confessor de Cláudio, conversávamos muito, e a mim contava diversos momentos de sua vida e também episódios interessantes da vida no posto.
 Cláudio era um observador atento, além de ter relações com figuras notáveis no posto e no Nuseg. Regularmente trazia informações em primeira mão sobre mudanças de planos administrativos, as razões do atraso do pagamento dos salários, chefes que cairiam em pouco tempo, postos onde havia corrupção etc. Graças a ele consegui muitas destas inside informations bastante úteis para a compreensão da dinâmica do posto, um lugar cercado de proibições e decisões tomadas nos bastidores. Conversas e fatos que me fizeram atentar para a importância do conhecimento de informações relevantes contextualmente para a consolidação dos ‘verdadeiros homens’. Nas conversas nas rodas de café, de que falei antes, nas discussões políticas sobre o posto, aquele que está melhor informado é o centro das atenções. Possui o dom de centralizar autoridade, é aquele que constrói as histórias e cria as verdades sendo por isso respeitado e sempre referido nestes momentos.
 Cláudio era também de conformação física frágil. Tinha um desvio na coluna que gerara diversas outras anomalias anatômicas por seu corpo. Este ponto criava uma imagem complexa quanto a masculinidade que veiculava. Por um lado, era um bravo, por superar as adversidades, conseguir trabalhar e manter-se em sintonia com todos os demais. Por outro, apesar de sua intensa participação no grupo, sua aparência estética era desconexa  do padrão de normalidade. Por mais reconhecida que fosse sua área de influência, esta era restrita basicamente ao âmbito do trabalho, das relações políticas e momentos de descontração. Ficando numa posição periférica às especulações sobre o mundo feminino. Pouco ou quase nada do - pouco - que dizia sobre mulheres era considerado. Este era um terreno movediço que não costumava adentrar nos seus discursos, a não ser pela via da jocosidade.
 Cláudio tinha uma forte voz de comando, e dentro do esquema de mudança das estruturas funcionais, que mencionei acima, tinha um lugar de destaque. Em nossa equipe havia uma disputa velada entre Carlos e Cláudio pelo controle das atividades, por uma posição de mando. Em teoria tínhamos um técnico de controle, no entanto, sua função era meramente fictícia. Isto é, tinha seu cargo de técnico, recebia um maior salário que os demais, mas as decisões eram tomadas em complexos acordos e desacordos das opiniões emitidas por Carlos e Cláudio. Chegava a ser cômica a maneira como Djalma (técnico) determinava alguma coisa e era imediatamente desacreditado e desobedecido publicamente. A ele nada mais cabia como opção senão acatar as determinações de Cláudio ou Carlos. Esta disputa criava um ambiente de tensão entre as duas linhas de nossa equipe .
 Apesar do controle ser freqüentemente alternado entre Carlos e Cláudio, era este último que tinha o maior prestígio e controle da situação. Cláudio regia a equipe como um maestro. Movimentava-se intensamente pela célula, gritava, vigiava, conduzia tudo e estava em todos os lugares ao mesmo tempo. Durante um determinado período crítico, quando o volume de trabalho se intensificou ,  era possível saber da fama de Cláudio por todo o posto - e até em outros postos. Ficou conhecido como o um dos mais dedicados do projeto, sendo respeitado por todos. Sua condição física intensificava o valor de seu trabalho.
 Ao mesmo tempo, estava se tornando vítima desta imagem por ele mesmo construída. Por centralizar tanto as responsabilidades estava se esgotando e pouco a pouco percebia que era inútil seu empenho. Foi o maior exemplo que pude constatar de esforço de construção de uma imagem de destaque, almejando benefícios por meio do trabalho, na contramão do nepotismo que imperava no posto. Cláudio nunca foi indicado para um cargo superior, apesar de sua explícita qualificação. Até bem pouco tempo ainda nutria alguma esperança de promoção, porém, nada mais conseguiu do que algumas folgas aos sábados e pequenas regalias. Hoje é visto como uma figura um tanto patética. Se esforçara tanto por nada. Não tem mais a mesma voz de comando que antes; é apenas mais um vistoriador dentre outros.

Para Onde Convergem as Coisas Até Aqui?

A Masculinidade e o Meio Público do Contexto Brasileiro

 Inicialmente pretendia proceder uma pesquisa distinta, com uma metodologia provinda de outra investigação em que pude participar concentrada na entrada na vida afetiva por meio de entrevistas aprofundadas . Assim, nos primeiros momentos de campo foram muitos os constrangimentos criados por tentativas de uma aproximação a estas questões da vida afetiva através de entrevistas. Havia o interesse de obter um material que, a rigor, diz respeito a eventos de cunho privado, surgindo o desafio de fazer com que as pessoas falassem de episódios que abertamente não são referidos. A questão era justamente a de como “violar” esta privacidade, sem, é claro, agredir a moral dos entrevistados. Parecia conveniente a metodologia utilizada anteriormente com sucesso. Entretanto, não atentei para um fator fundamental de contextualização bem distinto do daquelas entrevistas. O contexto de homossociabilidade surgiu implacável à minha desatenção. Quando simplesmente sugeri a Carlos que gostaria de entrevistá-lo sobre assuntos de sua vida afetiva e sexual fui muito mal interpretado.
 Imediatamente após o convite criou-se um clima tenso. Estava explicando a Carlos e Juliano o meu trabalho de pesquisa como estudante de antropologia. Diga-se de passagem, apesar de estar dentre estudantes do mesmo nível acadêmico que o meu estes demonstraram uma total ignorância a respeito de idéias mínimas do que vem a ser ‘Antropologia’. Ao fazer o convite a reação imediata foi o desvio do olhar, acompanhado de um sorriso tímido que denunciava a postura arredia a um chamado possivelmente obsceno, acarretando a mudança brusca de assunto, mediada apenas por piadas de ambos e deméritos na minha cotação, até então boa, de parceiro para conversas.
 Meu maior erro foi quando nesta proposta salientei que, devido ao teor da entrevista esta deveria ser realizada num local privado, que não fosse no ambiente de trabalho, talvez na sua ou em minha casa. Equívoco fatal que prolongou muito tempo o silêncio a respeito destas propostas de entrevista, até que isto fosse esquecido e a confiança me fosse novamente creditada. Frisei que este era ‘meu trabalho’, e a necessidade que tinha destas informações para integralizar minha formação acadêmica, no entanto, o peso da conotação sexual foi muito maior. Com aquele convite o que eu propunha, sem saber, era privatizar o público, domesticar aquilo que deveria ser livre, sem as regras limitadoras que impus, que era a relação entre homens. Como partiu de mim, suscitou uma leitura inviezada, feminilizante da minha pessoa, e isto é que foi constrangedor na cena. Eu rompera os laços sutis que me sustentavam em pé de igualdade e coabitação, deslizando para um terreno impróprio naquela situação. Num instante eu mantinha uma postura dominante, potencializando minha masculinidade - estava de posse da palavra e veiculava uma discursividade estranha e valorizada (intelectualizada) - noutro momento, desestabilizei a interação por dar continuidade por uma via feminilizante, “domesticada”, em um contexto homossocial masculino, donde a acusação nada velada de feminino.
 Roberto DaMatta frisa importância da relação entre casa e rua na organização do universo simbólico brasileiro (DaMatta,1985). Sua argumentação flui pela demarcação de um ‘espaço moral’ dado pela oposição entre as categorias de casa e rua. Citando seu trabalho também intitulado “a casa e a rua”:

Esta dicotomia estabelece uma lógica ordenadora do real em público e privado, que no Brasil são coisas que não se misturam. A casa, o âmbito privado, é o espaço da ordem tradicional que se funda na assimetria marcada pela ideologia patriarcal. Ao homem cabe prover economicamente este espaço de retiro e paz, de pessoalização, que é orquestrado pela mulher. A calma e o ritmo feminino da casa são o retiro de seu oposto, impessoal e dinâmico, a rua. Lugar este sim, dominado por homens. É preciso ser forte e “melhor que o resto” para se sair bem num lugar como este, onde apenas os verdadeiros amigos tem vez. Como se diz: “Aos amigos tudo, aos inimigos a lei.” A lei que nos faz ser implacáveis quanto aos mínimos detalhes da vistoria do carro, frios a qualquer demonstração de desespero do usuário que não tem meios de por seu carro em ordem. Como diz Cláudio, “o negócio é passar o rodo”. Muitas vezes esta também é a lei do mais forte na escala social, como nos mostrou Carlos ostentando a riqueza de seu carro ao usuário menos provido economicamente.

A Masculinidade Hegemônica no Âmbito do Posto

 Enquanto redijo estas últimas páginas muitas novas questões vão surgindo e percebo que muitas outras antigas sequer foram respondidas. A trajetória percorrida até aqui procurou, de maneira gradativa, apresentar múltiplos pontos, uma coleção de fragmentos que pude encontrar da vida naquele posto. A proposta não é apresentar um belo quadro da situação, uma pintura acabada com variações de tons e composição perfeitas, e sim, uma espécie de artesanato - talvez de ‘feira hippie’ -um mosaico onde é nítida a fragilidade com que tudo se compõe. Prefiro isto a respostas ou conclusões; aqui existem apenas convergências momentâneas de um argumento.
 Deste mosaico quero destacar algumas partes que considero importantes para a compreensão do modo de constituição da masculinidade. Atentar para aqueles valores exigidos pela organização do projeto foi o primeiro passo. Encontrei nestes valores os elementos que norteiam - ou esclarecem, evidenciam - algum padrão dominante, que incitava aquelas masculinidades de múltiplas formas. Capaz de engendrar uma ampla e complexa rede hierárquica que ultrapassa em muito o aparente maniqueísmo realçado pelo contexto de moralização. Na recente “descoberta” da masculinidade a idéia de hegemonia tem um papel de destaque nos desenvolvimentos teóricos. Nesta monografia, que é apenas uma exploração deste campo, não adentrei explicitamente nesta discussão. Cabe aqui algum esclarecimento deste tópico.
 A idéia de “hegemonia” provém das formulações de Gramsci sobre política nas relações de classe em seu período. Em consonância com a verificação de que “a noção gramsciana de hegemonia tem sido particularmente importante para chamar a atenção para os aspectos ideológicos da dominação em contraste com a visão reificada do puro domínio da força” (Velho,1986), o conceito de “masculinidade hegemônica” aponta para valores, conjuntos de significados que ordenam a apreensão do mundo segundo uma lógica de divisão compreendida por gênero. A masculinidade hegemônica, subentende outras masculinidades postas numa relação de dominação, no entanto, esta assimetria se faz experimentar pelo consenso, pela hegemonia, onde o dominado participa de sua própria dominação. Assim, esta ‘masculinidade hegemônica’ reproduz para o interior da ‘masculinidade’ - conceito englobante - as relações hierárquicas de dominação que estruturam a idéia de gênero, na relação entre masculinidade dominante e feminilidade subjugada. Temos, desta forma, masculinidades múltiplas. São assim por haver grandes abismos entre a proposta hegemônica e a possibilidade de atualização deste modelo. O conceito hegemônico é uma resposta acabada, completa e infinitamente rica para a pergunta, que jamais é feita, apenas vivida, de como ser um ‘verdadeiro homem’. Como define Miguel Vale de Almeida:

 Aqui surgem algumas dificuldades na vida destes homens, pois, “(...) a sua experiência social é justamente um diálogo por vezes difícil entre a complexidade polimorfa dos seus sentimentos e o simplismo dos padrões” (Vale de Almeida,1995:242) . São dominados pela sua dominação, o que não deixa de ser preferível ao o caso das mulheres, que são dominadas por um modelo que a princípio não é o seu. Temos que pesar também que “(...) para os homens é mais difícil inventarem outras formas identitárias pois, seguindo o pensamento dicotômico, a alternativa que resta é <<inferior>>, feminina” (Vale de Almeida,1995:243).
 Nestes termos, e como foi também apresentado quanto uma instância lógica da ordenação de gênero (Heilborn,1993), visualizamos uma masculinidade que é instável. Carece de sustentação, de constantes e repetitivos mecanismos de reafirmação, mecanismos reiterativos que apresentei no decorrer deste trabalho, e que talvez sejam os responsáveis pelo caráter performático, notável, das interações entre homens.
 No Posto-Barra encontrei diversos destes contextos de atualização e vivência da masculinidade como um parâmetro de organização social, a lógica de gênero como estrutura das relações sociais. Um espaço funcional organizado estrategicamente a potencializar o atendimento que se faz por meio das habilidades específicas de homens e mulheres. Categorias funcionais que antes de mais nada são textos, histórias que estão a lembrar e reconstruir uma maneira peculiar de ver as coisas, o mundo que nos cerca. Como uma briga de galos balinesa, a vida no posto é uma imagem, uma metáfora. A vida no posto apresenta como numa peça de teatro, uma obra de arte, a vida cotidiana, esta “(...) em termos de atos e objetos dos quais foram removidas e reduzidas (ou aumentadas, se preferirem) as conseqüências práticas ao nível da simples aparência, onde seu significado pode ser articulado de forma mais poderosa e percebido com mais exatidão” (Geertz,1978:310-311).
 Algo também encontrado foram os personagens que me ajudaram a compreender tudo isto. Para que possamos conceber estas masculinidades é preciso encontrar homens concretos. Fugindo de uma leitura que reifique estruturas enquanto fatalidades, e a ação como um fim e um meio em si mesma, tendemos a compreender as relações sociais como um lógica cíclica, auto-reprodutora, onde a prática, as ações de atores concretos, é informada e informa um sistema complexo de idéias, valores e regras. Temos assim uma intrincada relação entre o que foi esclarecido como uma disposição dual da idéia de gênero. Um dimensão desta categoria representa um idioma, um princípio ideal de classificação ordenador do real, a outra como um atributo da pessoa, marcas indeléveis trazidas no corpo e no tempo que fecham o ciclo, conectando a dimensão simbólica à seu complemento material, corpóreo.
  No capítulo “Os Atores”, cada qual contribui com sua trajetória de vida para este modelo do que vem a ser um homem.  No ambiente de disputas, de jogos de poder e prestígio, se misturam as emoções e a bagagem de experiência trazida pelo tempo. Como lembrado por Miguel V. de Almeida, “(...) o modelo hegemónico define o masculino como a ‘forma acabada’ da pessoa (...)” (Vale de Almeida,1996:180), um modelo de perfeição que, por isso mesmo, não é, alcançado. Assim, temos representadas várias possibilidades de expressão da masculinidade em “Os Atores”.  Procurei destacar as diferenças da maneira de como cada um constrói sua identidade na interação com as imposições contextuais. A maneira como cada personagem lança mão de suas habilidades para o trato da questão. Acredito desta forma, estar recolhendo pistas, juntando evidências, das diversas respostas encontradas no posto para a questão fundamental da identidade masculina, para as dúvidas que nos cercam quando identificamos todos como homens e, ao mesmo tempo, percebemos drásticas variações do que seja isso.
*  *  *

 Ao término do projeto, no mês de fevereiro de 1997, aconteceu, com seus organizadores e todos os estagiários, uma reunião na Uerj. Estavam presentes o diretor do Nuseg, o coordenador do projeto “Troca de Placa” e o presidente do DETRAN. Na verdade esta reunião tinha como objetivo apresentar uma nova etapa que iria ter início. O sucesso do “Troca de Placa’, apesar das adversidades, rendeu frutos, e mais dois projetos estarão em andamento no ano de 1997 . Para isto, todos os estagiários vão ser reaproveitados, e o contrato foi renovado por mais seis meses. Algumas mudanças ocorrerão, mas o fundamental não foi alterado. Como na primeira vez, foram lembradas aquelas máximas da conduta esperada. Um grande alvoroço em torno do grande valor, da integridade, presteza e honradez daqueles universitários. Está nas suas mãos, mais uma vez, o futuro da nação. Mais uma vez, poderemos ver toda aquela energia, todo empenho e concentração daqueles homens, e dos novos homens que virão , em serem ‘verdadeiros homens’.
 
 

 

Notas

1 - Informativo DETRAN, ano I n.1, 20 de julho de 1996, Governo do Estado do Rio de Janeiro.
2 - Sobre o mediador ou broker ver Velho, Gilberto e Kuschnir, Karina “Mediação e Metamorfose”, In: Mana: Estudos de Antropologia Social, volume 2 número 1, abril de 1996.
3 - Para compreender o despachante como um jeitinho inflacionário ver DaMatta (1993).
4 - Em uma recente reunião (23/02/97), fiquei sabendo pelo presidente do DETRAN que este título não é estadual e sim nacional.
5 - Segundo o Informativo DETRAN, citado na primeira nota, em julho de 1996, era de 1280 o contingente de estagiários.
6 - Informativo DETRAN, ano I n.1, 20 de julho de 1996, Governo do Estado do Rio de Janeiro.
7 - Guardadas é claro as limitações impostas pelo fato de todos serem universitários e numa faixa etária algo próxima de 18 a 35 anos. Para uma descrição detalhada do universo ver  “O Posto como Palco”.
8 - Quanto a isto ver FRANCHETTO, Bruna, CAVALCANTI, M. Laura, HEILBORN, M. Luiza. “Antropologia e Feminismo” In: Perspectivas Antropológicas da Mulher n.1. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 13-47. Dentre estas transformações e condições favoráveis se destaca a preeminência do individualismo na moderna sociedade ocidental que promove o desenglobamento das categorias de gênero pela  propagação de valores igualitários.
9 - Conforme salientavam Durkheim e Mauss em “Algumas Formas Primitivas de Classificação”.
10 -  “Uerj em questão”, ano VII, número 32 - julho/agosto de 1996, Diretoria de Comunicação Social - Comuns.
11 -  Para esclarecimentos sobre este ponto ver a seção sobre os Aferidores de CRV.
12 -  Para esclarecimentos sobre este ponto ver a seção sobre os Pesquisadores.
13 -  Veja o “Mapa do Posto DETRAN Barra”.
14 -  Alterou não só a paisagem como a rotina do Terminal Rodoviário da Alvorada. As transformações foram, sem dúvida, mais sensíveis para os ambulantes que lá trabalhavam e tiveram sua freguesia ampliada e diversificada pelos usuários e os próprios estudantes. Muita coisa mudou na vida dos camelôs, desde o aumento vertiginoso das vendas até  o surgimento de abrigo e grandes defensores no posto, contra os agentes da Guarda Municipal - “o rapa”. Por várias vezes os estagiários esconderam nas cabines os carrinhos de refrigerantes e balas garantindo a salvo da apreensão as mercadorias.
15 -  Respectivamente no “Mapa do Posto DETRAN-Barra”  1, 2 e c1, por exemplo.
16 - São quatro “células” de cada lado - Veja o “Mapa do Posto DETRAN Barra”.
17 - A documentação - Licença, chamada pelo nome do imposto, IPVA - deve ser renovada anualmente e agora esta vinculada a conservação geral do veículo.
18 - É realmente um trabalho ruidoso, sendo bastante comum ferir as mãos, o que é o menor prejuízo dos vistoriadores. Pude ver vários acidentes desde queimaduras causadas pelos motores, passando por cortes profundos que exigiam tratamento em pequenas cirurgias, até atropelamentos acidentais na linha de atendimento.
19 - “O Globo”, Caderno Barra, pág. 13, de quinta-feira, 19 de setembro de 1996.
20 - Quer dizer literalmente “assistente de porra nenhuma” - Aspone.
21 - Dados que são complicados e longos números e códigos. Com a repetição da tarefa o erro é algo inevitável.
22 - Aconteceram alguns casos de desaparecimento destes ítens de valor que resultaram em processos jurídicos de estelionato e ocorrências policiais. Estas chancelas, lacres e documentos em branco são de grande valor no “mercado negro” para se “esquentar” veículos roubados. Estimava-se que cada folha, que representa a documentação de um automóvel, valia R$ 100, ou seja, um sexto do salário recebido num mês por cada estagiário. Isto foi o bastante para incentivar alguns ao roubo.
23 - Os nomes utilizados são fictícios.
24 - De fato devemos concordar, pois estas características perfiguram um modelo ideal supervalorizado num país onde a idéia de branqueamento é corrente. Ver Skidmore, Thomas E. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.
25 - Consultar DaMatta (1993) para uma explicação do dinheiro em sua vertente pessoalizada por valores bem pouco pragmáticos.
26 - Cláudio estava alocado na linha 7 e Carlos na 8.
27 - Após o primeiro mês de trabalho fomos remanejados de nossa cabine de origem (1) para a quarta célula. Nos quatro meses seguintes esta foi a que recebeu o maior número de veículos. A cada dia emplacávamos cerca de 60% do volume de carros de todo o posto - aproximadamente 360 carros. Ostentar estes números era um grande orgulho para todos nós da equipe.
28 - Projeto de pesquisa “Carreiras Afetivas Femininas e o Impacto da AIDS” vinculado ao Programa de Iniciação Científica da Uerj no segundo semestre do ano de 1994 sob orientação da professora Maria Luiza Heilborn, no qual tive oportunidade de atuar como assistente de pesquisa inicialmente com o financiamento do CNPq e posteriormente da Uerj. Esta pesquisa se concluiu ao término do primeiro semestre de 1996.
29 - Parecem ser estes também os problemas das ciências sociais em sua empreitada de sintetizar as relações humanas.
30 - O projeto de “Identificação Civil”, um convênio do DETRAN, IFP e Uerj, e o projeto de “Vistoria Anual”, DETRAN e Uerj.
31 - Em setembro houve um concurso para o preenchimento de mais de mil novas vagas.
 

Bibliografia

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